Conto Original de: Anderson Rodrigues
Esse conto
em parte é autobiográfico, revela um pouco de mim, e isso é um risco. Porque
diz o que enfrentei, o que passei, e o que poderia ter acontecido comigo, se
essa maravilhosa mulher não tivesse chegado. Muitas vezes, eu penso o que seria
de mim sem ela, eu desaprendi a ser só. Cada personagem tem um pouco de mim, um
em especial é o que eu ainda mantenho medo de me tornar. Às vezes penso que as
pessoas precisam disso, de alguém que as façam se sentir bem. Ás vezes não encontramos
forças dentro de nós. Às vezes nossa força está em outra pessoa.
Eu aprendi
a não guardar as coisas, mas como criamos uma zona de conforto, é difícil sair.
Ainda guardo? Claro que sim, todos nós guardamos algo. Mas sempre precisamos
esvaziar o pote.
Vivendo um
dia de cada vez.
Esse
conto, leitor, não é apenas sobre como me senti em alguns momentos, e às vezes
me pego pensando nisso. É como muitos se sentem, e às vezes sentem vergonha de
dizer, ou mascaram sua dor, por ouvir demais o que as pessoas dizem
principalmente aqueles que estão em seu próprio lar. Não é autoajuda, é apenas
verdade. Talvez, uma forma de querer mostrar que a angústia que sentimos pode ser disfarçada, e que muitos que estejam juntos de nós no dia a dia não conseguem perceber. A dor vem mascarada, e aparece em diversas formas, tentando puxar para
baixo. Apenas não se entregue.”
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1
- É tudo tão cinza.
Disse Phillip para as mãos esticadas, e via
por entre os dedos as nuvens escuras que cobriam o céu. Ouvia trovões e
relâmpagos longe dali, e aquilo o acalmava. Ele pensava em tudo o que vinha
acontecendo em sua vida, o peso de suas escolhas, como tudo isso o afetava.
Pensou na família.
Sentou, e ficou de frente para a lápide de seu
pai, e apenas encarava o dia de nascimento e o dia da morte, era novo, morrera
na sua frente. Embora não pudera ter feito nada, a culpa o acompanhou por um
tempo, e as vezes ainda o acompanhava, quando não tinha nada para ocupar a
mente. O pai era um maldito racista-homofobico-machista, era tudo junto em um
único ser. Mas ele amava o pai, e o admirava, mesmo com tantos defeitos. Só
nunca teve certeza se o pai o amara um dia.
As vezes, conversava com a mãe sobre como o
pai era quando mais novo, como a mãe se apaixonara por ele, e a mãe sempre
dizia o mesmo, que ele fora um homem lindo, atraia olhares por onde passava.
Ela dizia que era impossível não apaixonar. Passava uma verdade absoluta, que
Phillip não via em seus olhos. Mas dentre todos os erros do pai, passava na
cabeça de Phillip que o maior acerto, foi seu ultimo ato de desespero. Fora um
homem que trabalhou pela família, não estava sempre em casa, mas nunca deixou
que faltasse o necessário, ao menos ele pensava assim. Phillip discorda.
As horas pareciam não passar há uma semana,
desde quando viu o caixão fechado de seu pai, e ouviu o padre dizer as ultimas
palavras, antes de lacrarem o túmulo. Era engraçado a forma que todos choravam
copiosamente, por aquele homem que era o mal em pessoa. No dia da morte do pai,
ele não chorou, e jurou que não iria chorar. Principalmente por ter atirado na
própria cara, por simplesmente não aguentar o rumo que a vida estava tomando.
Agora, Phillip não tinha mais certeza de nada,
a tristeza estava com ele, lado a lado, e sempre chorava quando pensava no pai.
A forma como o pai lhe ensinara a andar de bicicleta “anda logo Phill. Não
tenho tempo para ensinar-lhe isso. Ou vem até aqui pedalando, ou jogo essa
merda fora.”, e ele ia. Foi assim com tudo o que o pai lhe ensinou. Forma
bruta, e direta. Phill sentia falta disso.
2
- Você
acredita em pecado, Alice? – Phillip pergunta à esposa.
Ela o
encara, e sabe o porquê da pergunta dele, e sente um amor enorme por aquele
homem que conhecera desde a adolescência. Phillip não atlético, nem era bonito,
era o simples, que muitas vezes compensava. No inicio, as amigas riam dela,
dizendo não entende o que ela via nele, não era rico como o namorado de Lucia,
não tinha carro como o noivo de Amanda. Era simples demais para ela. Algumas
diziam que ele era o feio que compensava o belo do ex-namorado de Alice.
Algumas vezes ela ficou na duvida, algumas vezes escreveu carta para ele
querendo terminar, e sempre desistia, por achar que seria a pior forma de
terminar um relacionamento. Ainda mais com um cara, que ela sabia de sua
história. Nada pesado demais, mas era uma história triste, em termos de tentar
mostrar seu valor, e compensar. Hoje, ela detesta esse termo, Phillip não tem
que compensar nada.
- Em
partes, Phill. Pecado é algo que as vezes soa tangível, sabe? Sabemos o que é,
e quais são. Mas infelizmente, nascemos para pecar. Não é você quem mesmo diz,
que só de estarmos vivendo, já estamos pecando? – Ela esboça um sorriso, e
segura. Ele está chorando.
Alice não
lembra quando foi que o vira chorando, mas sabe que viu. Como quando descobriu
que o marido estava na linha tênue entre prosseguir e desistir. Ele se ajoelhou
sob seus pés naquela ocasião, pediu perdão por estar pensando em várias coisas
que não lhe fariam bem. Ela sentiu ali que ele não poderia ficar sozinho, e não
pensou isso por pena, pensou isso porque o amava, e foi aí que não ligou mais
para o que as amigas falavam. Para o que a família falava. Ele era lindo aos
olhos dela, era perfeito. Era o homem de sua vida. Lutaria por ele dia após
dia.
- Meu pai
estava no fundo poço, sabe? Ele precisava de ajuda, eu reparei nisso, mas não
fiz nada. Minha mão me disse, logo após o enterro, que meu pai não falava com
ela, havia alguns dias. Sempre trancado em seu escritório. As vezes, ela o
escutava chorando. Quando deitava ao lado dela, sempre o mesmo cheiro de
bebida. Mas ela não quis ajuda-lo.
“Ela disse
que achava que era passageiro, que o motivo era uma besteira qualquer nos
negócios. Que eles nunca conversavam sobre os negócios do meu pai,
nunca falaram sobre o dia dele. Meu pai era calado demais. Fechado para tudo.
“Ela não se importou de não falar com ele. Disse que estava
pensando em pedir o divórcio há algum tempo. Talvez ele tenha percebido
isso. Talvez não. Quem sabe? Ela disse
que queria ter ajudado ele, se soubesse o quão difícil estava a vida para ele.
Ela me disse, que esse seria o seu pecado, o que ela levaria para o resto da
vida.
“Ela me
disse, que sabe que falhou com ele. Entre tantas outras vezes. Ela disse que a
frase que ele escreveu em seu diário, um dia antes dele se matar, lhe causava
pesadelos: “A vida nem sempre é justa. A dor às vezes vem apenas como
complemento." . Minha mãe encara isso como pedido de socorro. Jamais vai poder
socorrê-lo. Mesmo que não o amasse mais. Mas eu vi que ela ainda o ama. Os
olhos dela dizem isso.”
Alice
encarava o homem choroso a sua frente, ele passava o dedo na bora da xícara de
café, e ela sentia o cheiro de cigarro. Ele havia parado três meses depois que
começaram a namora. Ele disse que não fumou mais desde então, mas era como se
controlava, e ela sempre soube quando ele fumava. Ele a evitava, e mostrava
culpa. Ela sempre entendeu.
3
- Eu li
uma vez, que depressão é hereditário. Eu cheguei a pensar que fosse de algum
familiar de gerações passadas. Não que fosse do homem que me criou. Pensei até
que pudesse ser da minha mãe. Mas meu pai, foi uma surpresa, entende?
“Na minha
cabeça, meu pai jamais teria isso. Ele muitas vezes, me passava a impressão de
que era a prova de tudo. De tristeza, de angústia. Eu achava inclusive, que ele
era a prova de felicidade, porque nunca o vi sorrindo. Ele guardava tudo.
Sempre bem guardado. Talvez estivesse aí o grande problema. A minha sorte, é
que eu encontrei a Alice, e meu pai, para o azar dele, ele encontrou o conforto em sua arma.”
A
psicóloga ouviu, e sentiu uma tristeza invadir seu corpo, ela pensou nas férias
que precisava tirar, talvez um ano fora de toda essa carga emocional que seu
trabalho lhe empregava. Ela era o tipo de pessoa, que achava não precisar de
terapeuta, ela era uma, e sabia como as coisas funcionavam, ela era imune. Mas ninguém é imune a algo que vem de dentro, principalmente da
cabeça.
Ela fazia
as anotações, mas sua cabeça estava no casamento, no filho que não poderia ter,
na reação que o marido teria ao saber disso. Ele sonhava em ser pai, e dizia
isso para todo mundo. Ela estava escondendo isso dele há um ano, e ela estava a
beira de um colapso. No fundo ela sabia qual era o efeito colateral de esconder
tudo de todos, ela dizia isso a todos os pacientes. Mas como todo mundo que dá
conselhos, nunca seguia os seguia.
- Rachel,
você me disse uma vez que devemos nos abrir para quem nos amamos. Não devemos
nos esconder. Se temos alguém para compartilhar, o façamos. Meu pai achava que
não tinha, e esse foi um dos erros dele. Não acredito nisso com certeza, mas
cada um tem sua parcela de culpa. Talvez ele não tenha visto em minha mãe nesses
últimos anos, a parceira ideal para ser aberto com ela. Ele encontrou abrigo em
diários. Meu pai deixou uma página para mim. Ainda estou tomando coragem para
lê-lo. Não sei se estou preparado para ouvir o que ele tem a dizer.
- Talvez
você lendo, conforte essa inquietação. Leia e tire suas próprias conclusões.
Rachel não
ouviu o que disse, suas falas eram algo mecânico, sempre funcionando no
automático. Mas ela recebeu as palavras de Phillip, e ela entendeu o recado
indireto. As vezes, os pacientes tinham isso, nos faziam pensar em nossas
vidas, ao dizer sobre as deles. Phillip principalmente, ele tinha as frases
prontas mais perfeitas, ela chegou a se perguntar se ele treinava o que
falaria para ela. Sempre a impactava de alguma forma, principalmente quando ele
estava abatido. E a morte de seu pai, era motivo para deixa-lo assim.
4
Phillip
estava sentado, olhando a lápide, e ouviu os relâmpagos e trovões mais
próximos, e ele sabia que como consequência a chuva viria em seguida. Mas nada
disso importava. Ele segurava um papel impresso. Nele tinha o que o pai
escrevera, e deixou para ele.
O pai,
podia ser sim um louco, ser do tipo que falava mal das pessoas e ria ao ver a
desgraça alheia, mas descobriu que tudo aquilo era um disfarce. Ele apenas
queria esconder quem ele realmente era, e não, não eram todos que faziam isso,
mas geralmente os mais frágeis faziam isso. O pai dele odiaria
saber que ele estaria pensando o quanto era sensível, logo ele que gritava a
todos os pulmões que os homens salvariam o mundo. Mas era apenas a carcaça que
pensava assim, fruto de uma criação com um pai alcoólatra, nesse caso, os fins
justificariam os meios. Mas Phillip acredita que o pai poderia ter encontrado
uma melhor forma, de mostrar ao mundo sua revolta, e não feriando aos outros, e
isso seu pai sabia fazer com perfeição, embora isso lhe doesse.
Phillip em
partes entendia o pai, e entendeu o fim que o pai procurou. Acreditava que de
alguma forma, Deus perdoaria o ato de seu pai, e pedia isso todos os dias,
embora dissesse que não acreditasse muito nisso. Mas conversar com Ele, lhe
fazia bem. Principalmente conversar com o homem que ele amou, e que não tinha
certeza se partilhavam do mesmo sentimento.
Phillip
queria ter ensinado o pai a enfrentar os problemas, porque ele já passou por
isso. Mas infelizmente o pai não teve tempo, embora vivesse no limite há mais
de trinta anos. Agora, ele teria chance de fazer diferente, entender o mundo, e
entender o filho que estava a caminho. As lágrimas vinham, embora ele tivesse
jurado que não iria chorar. Todos nós choramos. Mas jamais poderá ser apenas
por tristeza.
5
“Aos olhos
do mundo sou insano, mas Deus sabe o que guardo para mim. Minhas recordações já
nem fazem parte do que sou agora, e me dói lembrar quem me tornei. Olho meu
passado, e condeno a mim mesmo. Culpado por cada ato impensado, e palavras
dolorosas usados. Blasfemei contra minha família, contra meu ego. Fui errado, e
iludido pela angustia de viver mascarado.
Quis
respeitar a dor alheia, mas como respeitar o próximo se não me respeitava. Não
respeitei meu filho, e nem minha esposa a qual hoje duvido que ela sinta por
mim o que um dia sentiu. Meu filho muitas vezes, acho que ele sente pena de
mim. Não conversamos muito, e por nunca ter aprendido a fazer amizade, a
conversar e expressar o que sinto e quem realmente sou, nunca soube como iniciar
um diálogo.
Meu pai,
nunca soube como criar um filho, e eu desejava fazer diferente, e eu jurei isso
para mim, ao ver meu filho pela primeira vez. Mas eu fui cegado por aquilo que
sempre quis esconder. Quase impedi meu filho de ter um pai. Mas no fundo, eu
impedi, fui tudo o que não queria ser, fui meu pai, para o meu filho. Isso me
destruiu mais de pouco a pouco.
Muitas
vezes deixei de ser pai e marido, e fui apenas amante da morte, flertava com
ela sempre que andava na rua, fazia a barba, tomava meus remédios que me
controlavam, e esses eu tomava-os escondidos. Minha esposa nunca soube. Ficavam
no meu escritório, e ninguém podia entrar.
Por ter
deixado minha família sem mim, mesmo eu estando ao lado, acreditei que minha
esposa tenha buscado consolo nos braços de um outro homem, e eu queria que
tivesse procurado. Eu suguei minha vida e a dela como bônus. Meu médico diz que
não.
Não verei
meu neto nascer, e não poderei leva-lo comigo para tomarmos sorvete, para
brincarmos de pique. Eu poderia ser o meu neto, o pai que não fui para o meu
filho. Já ouvi isso, que muitas vezes, os netos vêm como segunda chance. Mas
creio que não mereço mais nenhuma. Minha segunda chance veio com o nascimento
de Phillip, e eu a desperdicei.
Eu sou um
homem triste, e pessoas tristes reconhecem outras, e os bons, conseguem enganar
as outras pessoas tristes, pelo simples fato, de não querer alguém nos
xeretando. Mas a verdade, é que sempre queremos que xeretem, que perguntem, que
nos ajude e nos liberte de nós mesmos. E por ser triste, vi que meu filho era
triste, e me entristeci ainda mais. Queria ajuda-lo, e tentei. Mas sou fraco, e
não consegui. Me perdoe, meu filho.
Peço
perdão a minha esposa, por todos esse tempo tomado;
Perdão a
minha nora, por ter lhe dado o fardo de ajudar meu filho;
Peço
perdão ao meu neto, por não permitir que ele nasça sabendo o que é ter um avô;
Peço
perdão a você Phillip, por não ter sido diferente;
Peço
perdão a Deus;
O mundo
apenas se tornou difícil, e eu não sou forte para suportar todo esse fardo. Não
existem culpados. Não existem santos. Apenas o certo e o errado. O pecado, é
não mostrar a nossa fraqueza. A vida nem sempre é justa. A dor as vezes vem
apenas como complemento.”
- Para
todos aqueles que tentaram e vivem um dia de cada vez.
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