O Discurso de Paul
Bakipavofif
Conrado Franconalli em
03 de Abril de 2017.
(Conto baseado num
microconto de Isaac Morais para concorrer no II Prêmio Escambau de Microcontos,
cujo o texto está informado no final da postagem, por motivos de "não
quero estragar a história")
– Eu garanto que vocês não se arrependerão de ter me eleito o
presidente de todo este Planeta! – foi a primeira frase do discurso de Paul.
A multidão ouvia calada, sem esperar nada mais que promessas
vazias de intensão e agradecimentos fúteis de pouquíssima credibilidade.
– E garanto que minha prioridade será expulsar os opressores que
exploram nossas reservas de energia, roubam nossas tecnologias, submetem nossas
esposas, criam nossas crianças em cativeiro pra servir de alimento e sujam
nossos campos e casas com o sangue do meu, aliás, do nosso, povo! – esbravejou
com o dedo indicando o céu.
Muitos o ouviam com olhares amedrontados, contudo, seu discurso
também correspondia, naquele instante, as expectativas de alguns.
– Não permitirei mais, como permitiram os presidentes covardes
que me antecederam, que sejamos explorados em troca de alguns benefícios para
aqueles que estão no poder e não largam o osso! – e prosseguiu: – Não
permitirei que mais de três mil anos de diversas culturais virem cinzas diante
de doutrinação forçada que essas criaturas imundas que invadiram nosso planeta
nos obrigam a engolir. Não mais. Não importa se somos negros, pequenos ou
diferentes... Não aceitaremos mais os gostos e imposições daqueles que chegaram
a nós, invadiram nossas nações e declararam ao resto da galáxia que acabamos de
ser "descobertos" – expôs enquanto simulava com ambas as mãos aspas.
Volta e meia, alguns aplausos surgiam no meio dos milhares de
ouvintes. Afinal, Paul falava o que estava engasgado na garganta de muitos.
– Não é porque "eles" possuem armas de laser e bombas
iônicas que podem acabar com nossos oceanos, dizimar nossa flora, roubar nossos
códigos genéticos e ignorar nossos desejos em nome de um "progresso"
que nos foi imposto. Não é porque gozam de riquezas imensuráveis que podem
comprar nossos Congressos e Senados, tirando assim o povo do poder, que podem
mais que os deuses. Não, não e não! Já sobrevivemos a guerras, desenvolvemos
diversas línguas, subimos ao topo da cadeia hierárquica da natureza... Somos o
auge desse planeta. Ou seja, somos capazes, sim, de decidir o nosso rumo e
posicionamento diante dos outros governos da galáxia. Não somente somos, como
faremos.
– Calma Paul... – pediu o assessor do seu lado direito.
– Calma? Tivemos calma quando apontaram seus canhões de raios
gama, e o que aconteceu? Nos pressionaram e destruíram nossas armas nucleares,
nossas únicas formas de proteção. Impuseram suas presenças... Colocaram-nos em
segundo plano, como uma classe inferior, sendo que o planeta é nosso! Dividiram
nosso território sem levar em consideração qualquer fator cultural e agora você
vem me pedir calma?!
Enquanto falava, a multidão vaiava seu assessor.
– Já tivemos calma demais! – balbuciou. – Tivemos tanta calma
que permitimos que levassem mais da metade da água doce disponível no nosso
sistema hídrico, mas isso está por um fio. Antes a morte que uma existência
medíocre. E o povo... Bem, o povo pensa como eu – e indicou a multidão.
O mar de indivíduos bradava como não se via em anos. Em muito
tempo, era a primeira vez que poderiam sonhar com dias melhores.
– Não permitirei mais que mandem nos nossos meios de produção,
que nos envenenem com seus alimentos conservados, que nos comprem com suas
cédulas coloridas! – e o barulho dos urros só aumentava – As nossas crianças
estão fartas de aprendem a língua de um povo alheio na escola, nossos idosos
têm o pleno direito de não os aceitarem como turistas, nossas mulheres não são
obrigadas a servi-los como empregadas e nossos homens estão cansados de tanta
opressão de um sistema que leva do nosso planeta o que há de bom e abastece
nossos desertos com lixo galáctico! Chega! Merecemos mais... Merecemos mais que
um bando de humanos decidindo por nós o que é melhor pro nosso povo, pra nossa
raça!
Num surto popular e exaltado, todos os ouvintes do discurso
bradavam como se cantassem um hino de liberdade:
– Humano bom, é humano morto! Humano bom, é humano morto!
A multidão gritava com ardor. A humanidade já trouxera problemas
demais aquele povo, agora tinham uma chance de escapar das suas garras.
Essa chance tinha nome e tinha voz; era Paul Bakipavofif.
Conto baseado no microconto de Isaac Morais:
"Durante o discurso de posse da presidência, jurou que
lutaria contra os invasores do planeta e os puniria como deveria. Seus
eleitores foram a loucura de tanta satisfação. Exaltação coletiva, brados e
mais brados de “Humano bom, é humano morto."
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