Conrado Franconalli em 13 de Abril e 08 de Maio
de 2017.
Parte 1/2
–
Já disse e não vou repetir Fred! – berrou o político. – Não quero você se
comportando como essa gentinha verde e com calda! Não quero!
E
bateu a porta do quarto. Não era a primeira vez que batia no próprio filho,
tampouco seria a última. O garoto chorava no chão, procurando uma razão para se
levantar. Podia ver o próprio sangue saindo da boca e pingando no tapete. No
entanto, não era o corte ou a dor o que mais o incomodava, mas sim o quanto seu
pai parecia odiá-lo por ser o que era.
Vislumbrando
o nada, perguntou-se o que fez de errado. Paul estava certo, sempre esteve
durante toda sua campanha eleitoral para a Presidência do Planeta. Chorou.
Deixou as lembranças fluírem e, num passe de mágica, reviveu tudo o que
aconteceu antes da agressão do pai.
Os
aplausos não cessavam. O maior canal de comunicação do planeta transmitia o
maior debate dos candidatos a Presidência do Planeta até então. As eleições
estavam próximas e os debates políticos a todo vapor. Naquele, em específico,
só participavam os três candidatos com reais chances de vitória. Eram eles;
Fred Melogoldy, um jovem prodígio, Paul Bakipavofif, o carismático e autêntico
político emergente, e Bem Dolg, um velho gordo e de sorriso amarelo.
–
Vamos ao assunto mais polêmico de todos... – enfatizou o mediador
sensacionalista indicando o telão com um cronômetro contando vinte minutos. – E
os humanos? Aceitamos sua presença e oferta de mercado amplo? É seguro acreditar
nessas criaturas que vem de estrelas distantes e desconhecidas? – em seguida,
revirou os olhos e apontou para Bem Dolg. Era sua vez de responder.
Balbuciou,
meio a soluços e interjeições, algo sobre o quanto a humanidade traria
progressos ao Planeta. Falou da evolução da ciência, da maneira de contenção da
raça inferior (as criaturas verdes e com calda) e toda aquela baboseira que lhe
conferia 25% das intenções de voto. Era o único candidato financiado pelos
humanos, e isso era tão nítido que seus adversários sequer precisavam acusá-lo
de se vender em troca de dinheiro e influência. Na verdade, esse era o
principal motivo para ter as intenções de votos que possuía.
Ao
fim do seu discurso (que usou pouquíssimo do seu tempo), foi passada a fala
para Paul Bakipavofif. O político experiente era rotulado por todos como “O
Herói dos Fracos e Oprimidos” – com o termo “todos” quero dizer; alguns jornais
e seus eleitores. Era o que mais crescia nas pesquisas, e certamente, se nada
mudasse, seria eleito.
Levantou-se,
deu um passo para frente, limpou a testa, lambeu os lábios e fez o que melhor
sabia fazer; discursar.
–
Quem vai acreditar nessas palavras? – Paul questionou à plateia. – São
criaturas desconhecidas, nada sabemos deles, e querem confiar a eles nossos mercados?
– e riu. – A verdade é que temos problemas grandes o suficiente no nosso
planeta, não precisamos de mais um vindo das estrelas.
Fred
se revirou na cadeira. Sua calda presa dentro das calças o incomodava. De certa
forma, o membro reagia ao que Paul dizia.
O
jovem político, no íntimo, concordava com ele, todavia já tinha uma opinião
pronta e não era aquela. Seu pai o observava e, na condição de ex-presidente e
tutor, já tinha formulado suas falas, posicionamentos e tudo para que seu filho
tivesse as melhores chances de se eleger. Sentia-se orgulhoso pelo filho que
tinha, tamanha a ignorância de não saber o que Fred realmente achava daquilo.
É
verdade que foi treinado desde cedo. Seu pai ensinou-lhe três línguas
diferentes e tudo o que sabia sobre política e retórica. Fez dele um debatedor
profissional aos doze anos, um político aos dezoito e aos vinte, pretendia
torná-lo a criatura mais poderosa do Planeta. Aquele era seu objetivo central
durante os últimos anos aos quais se dedicou tanto a Fred – quem dera também
fosse o daquele jovem reprimido e submisso aos desejos do pai.
–
As criaturas do Sul do país, por exemplo... – Paul prosseguiu sua fala.
Defenderia a (grande) minoria que representava. – Aqueles que são explorados na
agricultura dos campos ilegais! Aqueles, que com seu suor e trabalho, mantém a
comida fresca na nossa mesa, que vivemos no Norte. Nós! Que temos tudo do bom e
do melhor enquanto eles passam fome – finalizou a frase sussurrando. –
Precisamos dar voz, comida e vez aos nossos irmãos, não a completos
desconhecidos que se rotulam de humanos.
Fred
engoliu em seco. Sua calda não parava quieta (não tinha o controle sobre ela)
assim como não conseguia suportar a verdade que Paul jogava na face de todos os
presentes. Sequer percebeu que grunhidos surgiram na platéia, pois toda sua
atenção estava voltada ao seu passado, ao seu segredo que seu pai e ele tanto
lutaram para esconder desde seu nascimento. A verdade doía, e as palavras de
Paul também.
Muitos
dos cidadãos que assistiam o discurso, moradores do Norte (os únicos com
direito a voto na eleição da Presidência do Planeta), se mexiam nas cadeiras.
Mexiam-se, pois eram – em grande parte – descendentes de antigos migrantes do
Sul que invadiram o Norte em busca de uma vida melhor. Embora azuis, carregavam
o sangue dos escravos de pele verde (e com calda) além de trazerem consigo o
desejo de que eles também tivessem uma vida digna.
–
Acredito que alguns aqui estão negando o seu passado – indagou Paul com uma das
mãos no queixo. – Permita que eu conte uma história.
Fred
tremeu na cadeira e não conseguiu conter o suor. As gotas de água salgada
desciam pelo rosto enquanto seus olhos não paravam quietos.
Como
um professor de maternal, Bakipavofif contou a história da segregação dos
verdes. Arfou que o vinha a sua mente. Falou do desenvolvimento social que, há
mil anos atrás, o Norte escabeçou ao passo que o Sul continuava primário e
escravocrata, além de comentar a migração que isso fomentou. Após anos, o Norte
decidiu que não acolheria mais os “Impuros”. Através do trabalho escravo da
própria população do Sul, construíram uma muralha ao redor do planeta e o
dividiram entre aqueles com direito a democracia, comida e felicidade ao passo
que isolavam os demais; pobres, escravos e de pele verde. Como toda sociedade
que se preze; passou a haver opressores e oprimidos.
Mesmo
com a Muralha, o Norte continuava – embora em menores quantidades – recebendo
criaturas do Sul. O Estado, que era controlado apenas por criaturas azuis,
passou então a tomar medidas mais agressivas. Construiu bases militares nas
fronteiras – para conter as migrações – e tratou de eliminar todos aqueles
cidadãos com calda (mesmo tendo pele azul) e todo e qualquer um com os
vestígios verdes na pele que na residiam no Norte. Em palavras diretas;
limparam suas ruas, avenidas e cidades.
–
Entretanto, só seria perfeito se tivessem êxito. Talvez não tenha mencionado,
mas das criaturas azuis podem nascer criaturas verdes e com calda, assim como
de uma mãe verde pode nascer alguém azul. Ou seja, a Muralha só dividia
privilégios, não raças. O Estado, dessa forma, se viu forçado a criar leis
específicas para os bebês nascidos em todo o Planeta – prosseguia Paul. Todos o
olhavam boquiabertos. – Que leis eram essas?
Silêncio.
Ninguém respondeu, todavia todos sabiam do que aquele político emergente
falava.
As
leis que citou eram claras; Toda criança com pele azul nascida no Sul era
enviada ao Norte para ter uma vida digna ao passo que toda criança nascida no
Norte com pele verde ou calda era assassinada na mesa de cirurgia. Com o tempo
e o andar da civilização do Norte, alguns passaram a ver aquilo como uma
atrocidade injustificada. Esses, que a cada ano aumentavam, sustentavam Paul e
sua promessa de junção do Norte e do Sul como principal candidato a Presidência.
Sonhavam com dias melhores, e ninguém poderia culpá-los por acreditar no que
muitos julgavam ser uma utopia.
–
Enfim... – arfou Paul. – Nem humanos...
(O
conto foi segmentado em duas parte. Clique no link a seguir para ir para a
próxima e última parte)
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