Parte 2/2
–
Enfim... – arfou Paul. – Nem humanos nem a segregação dos verdes com calda. O
que precisamos é de justiça social, não de novos problemas.
Terminou
sua fala nos dez segundos finais do seu discurso.
Fred
ouvia tudo em silêncio enquanto pensava no quão falso era usar uma maquiagem
azul para esconder sua pele verde. Desde criança – quando foi salvo pelo pai
quando soube que tivera um filho verde – alimentava em si a ilusão de que, na
verdade, era azul. Mas não poderia enganar seus próprios olhos, tampouco
poderia enganar os outros sem a ajuda do material que todo dia colocava sobre
sua pele oprimida.
–
Sua vez Fred! – anunciou o mediador.
Levantou-se
de cabeça baixa, mudo e, meio a passos, permaneceu calado. Não sabia o que
pensar ou dizer, apesar de tanto ter ensaiado para aquele debate.
–
Por favor, Fred, seu discurso – insistiu a mesma voz de antes.
Seu
pai, na platéia, sorria. Acreditava que seu filho falaria da repressão aos
segregados assim como citaria o plano político do seu avô para que o Planeta
pudesse crescer e fornecer melhores condições de vidas aos cidadãos do Norte.
Esperava que Fred fosse o que era na sua juventude; um político com velhas
ideias e um novo corte de cabelo.
–
Eu concordo com Paul. A separação entre criaturas verdes e azuis, com calda e
sem calda, só serve para nos tornar mais vulneráveis as invasões dessa tal
humanidade que insiste em nos impor um projeto que não pedimos – indagou com
pressa. Tudo aquilo estava preso na sua garganta.
Saiu
correndo do palco, voltou para casa as pressas e depois disso sabemos o que
aconteceu.
Continuava
olhando-se no espelho. Cansado de tanto se
vê, agarrou a pele da própria face e arranhou com toda a força que tinha
– sentiu dor. Chorou vendo a cor verde da sua pele misturada ao sangue. Estava
cansado de mentir para si mesmo, estava cansado de mentir para os outros.
Berrou alguns palavrões, bebeu alguns copos de álcool em meia hora – dezoito,
para ser exato – e, sob os efeitos da droga, não resistiu. Quando se está fora
do controle, nossos desejos mais insanos e macabros floram e nos fazem de
marionetes.
Correu
até a cozinha, pegou uma faca e com a destreza de um animal, rasgou a parte da
calça que prendia sua calda. Ela, que quase possuía vida própria, tremulou e
pode respirar como não conseguia em meses. Depois, a passos lentos e contados,
subiu ao quarto e vislumbrou o próprio órgão no espelho. Aquilo, tão inocente
quanto parte dele, o tornava uma criatura do Sul, sem chance de rendição ou
liberdade. Embora vivesse no Norte, teve a certeza de que era o que seus olhos
viam.
–
Não seja covarde – pediu ao próprio reflexo.
Tocou
o próprio rosto que ainda sangrava e, como se tivesse uma ideia genial, sorriu.
Aquilo, a calda, era um fardo tanto quanto ele era um problema para seu pai.
Pensou como poderia aniquilar as duas complicações – ou seja, matar os dois
coelhos – com uma cajadada só.
Ainda
com a faca em mãos, subiu as escadas com todo cuidado para não fazer qualquer
barulho.
Ao
som do chuveiro, entrou na banheira cheia e, com um único golpe, cortou o
problema pela raiz. O sangue jorrou e diluiu-se na água ao passo que o cheiro
de morte se espalhava pelo ambiente. As lágrimas caíam no rosto abatido e
perplexo pelo que fizera – e não poderia ser diferente. Embora fosse necessário
fazer uma escolha a respeito da maneira como se via diante de todos, nunca
imaginou que seria tão doloroso ver as consequências de seus atos sem
arrepender-se. Dessa forma, apesar das lágrimas, observou inquieto – sem tremer
ou soluçar – o corpo do próprio genitor ferido afogando-se na banheira cheia de
água e sangue.
Matou
o pai com duas facadas na jugular.
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